Uma cena frequente no comércio exterior brasileiro: a carga chega ao porto, o desembaraço é concluído com canal verde, o importador desova o contêiner imediatamente e segue para devolvê-lo no DEPOT indicado pelo armador.
Mas o DEPOT está sem janela. Não recebe. Não opera.
E cada dia sem devolução se transforma em cobrança de demurrage, ainda que o importador tenha feito tudo o que lhe cabia.
Esse problema, vivido diariamente por centenas de empresas, passou a ter um novo olhar a partir da evolução regulatória recente da ANTAQ.
A Resolução ANTAQ 62/2021 já estabelecia princípios de defesa do usuário e a necessidade de equilíbrio na cadeia logística.
Em 2024, a Resolução ANTAQ 112/2024 avançou ao instituir a “matriz de riscos”, determinando que a responsabilidade por custos adicionais, incluindo demurrage, deve ser atribuída a quem efetivamente deu causa ao atraso.
E, finalmente, em 2025, o Acórdão ANTAQ 521/2025 consolidou o entendimento de que a sobrestadia só pode ser cobrada quando o atraso resulta de fato imputável ao importador. Quando decorre de falha do transportador, do terminal indicado por ele ou do DEPOT escolhido, a cobrança não se sustenta.
Na prática, isso significa reconhecer que não há razoabilidade em exigir pagamento quando o gate fechado, a falta de janela ou a incapacidade operacional do DEPOT impediram a devolução.
O risco é do armador. O importador não pode ser penalizado por falhas da cadeia que não controla.
Esse entendimento está totalmente alinhado com uma sentença recentemente proferida pelo Núcleo de Direito Marítimo, que cancelou a demurrage porque o DEPOT indicado pelo armador não tinha capacidade operacional. O magistrado sentenciante registrou que a escolha inadequada do DEPOT atrai a responsabilidade do transportador marítimo, e que as tentativas documentadas de devolução feitas pelo importador demonstravam sua boa-fé e diligência.
Na Lostado & Calomino Sociedade de Advogados, vemos diariamente a importância dessa evolução regulatória.
A adequada documentação das tentativas de devolução, a comunicação com o DEPOT, os registros de gate fechado e a atuação jurídica estratégica permitem: devolver judicialmente o contêiner vazio; suspender cobranças abusivas; cancelar demurrage e evitar que importadores acabem inseridos em listas restritivas dos armadores.
O comércio exterior precisa de previsibilidade.
E a regulação recente da ANTAQ, somada à advocacia especializada, confirma que o importador não deve pagar pelo risco que pertence ao transportador marítimo.
Esse é o equilíbrio que protege a cadeia logística e garante segurança jurídica às operações.
Deborah Calomino
Advogada e Sócia Diretora da Lostado & Calomino Sociedade de Advogados.
Pós-Graduanda em Direito Tributário e Aduaneiro pela PUC Minas.
Pós-graduada em Direito Internacional (MBA – Abracomex).
Vice-Presidente da Comissão de Direito Aduaneiro de Santos e Membro da Comissão de Direito Aduaneiro de São Paulo.
